Crédito sem racismo: fintechs lideradas por pessoas negras desenvolvem algoritmos inclusivos

Apesar da pressão por lucro e da sub-representação de profissionais negros no universo das fintechs, essas startups combinam inteligência algorítmica e humana em processos de experimentação afirmativa para desenvolver soluções inovadoras.

Crédito sem racismo: fintechs lideradas por pessoas negras desenvolvem algoritmos inclusivos
A desigualdade racial no acesso a serviços financeiros é uma barreira histórica que perpetua injustiças sociais e limita oportunidades. No Brasil, fintechs lideradas por pessoas negras surgem como agentes de mudança, enfrentando os desafios de reverter os vieses raciais incorporados em sistemas de pontuação de crédito tradicionais. Portanto, essas startups assumem o compromisso de criar algoritmos inclusivos, capazes de promover justiça social e combater a exclusão financeira racial. Isso permite oferecer novas oportunidades para comunidades historicamente marginalizadas.

O estudo, conduzido pelos pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), Eduardo Henrique Diniz, Bruno Sanches, Marlei Pozzebon e Simone Luvizan, examinou três fintechs negras brasileiras por meio de 24 entrevistas com fundadores, gerentes e equipes técnicas dessas fintechs negras, além de empreendedoras sociais, analistas de dados, potenciais clientes dessas fintechs e pesquisadores da comunidade negra, dados que se somaram à análise de documentos e vídeos dessas empresas.

Publicado na prestigiada revista MIS Quarterly, o trabalho triangula a teoria da justiça social de Nancy Fraser com o conceito latino-americano de tecnologia social para analisar e entender as práticas de produção de algoritmos inclusivos no ecossistema fintech.

O desenvolvimento de algoritmos inclusivos passa pela necessidade de combinar a reflexividade humana com a automação da máquina

Os resultados mostram que as fintechs negras enfrentam restrições financeiras e operacionais, mas adotam estratégias criativas para inclusão. Utilizando inteligência híbrida — uma combinação de análise humana e algoritmos baseados em inteligência artificial — essas startups conseguem identificar e eliminar variáveis que reforçam estereótipos raciais. Um exemplo claro é o uso discriminatório de informações geográficas, que desfavorece a população negra, historicamente concentrada em regiões periféricas. Embora a cor da pele não seja um dado explicitamente usado na análise de crédito, essas variáveis geográficas funcionam como proxies discriminatórios. Para combater práticas como essa, as fintechs negras reconfiguram os algoritmos tradicionalmente usados no mercado a partir de investigação sobre os motivos das negativas de crédito, detectando e corrigindo elementos discriminatórios nesses algoritmos.

Fintechs são empresas que combinam tecnologia e finanças para oferecer serviços financeiros inovadores e mais eficientes. Usando plataformas digitais e modelos de negócios ágeis, elas desafiam o setor financeiro tradicional, oferecendo alternativas como bancos digitais, pagamentos online, empréstimos peer-to-peer e investimentos automatizados. Seu objetivo é democratizar o acesso a serviços financeiros de qualidade, tornando-os mais acessíveis e convenientes para todos.

Além disso, a pesquisa identificou que as fintechs analisadas atuam em três dimensões da justiça social:

  • Representação: Profissionais negros lideram processos-chave, trazendo perspectivas únicas e alinhadas às necessidades de seu público.
  • Reconhecimento: As startups lideradas por profissionais negros valorizam a identidade e cultura negra, desafiando estereótipos negativos por meio de soluções afirmativas.
  • Redistribuição: Desenvolvem modelos de pontuação prospectiva, focados no potencial financeiro atual ao invés de avaliações retrospectivas que perpetuam exclusão e com isso conseguem fornecer empréstimos a quem teria mais dificuldade nos sistemas de crédito tradicionais.

Portanto, as fintechs lideradas por pessoas negras desempenham um papel vital na construção de algoritmos inclusivos e no fortalecimento da comunidade negra no setor financeiro. No entanto, a verdadeira inclusão exigirá esforços contínuos e de longo prazo para superar as barreiras estruturais e econômicas impostas pelo ecossistema financeiro. Ao redefinir práticas tradicionais e adotar uma abordagem iterativa de design algorítmico, essas startups mostram que é possível equilibrar inclusão social e viabilidade financeira. Por fim, isso permite promover um sistema mais justo para todos.

da FGV