
A crescente demanda por cuidadores no Brasil: desafios sociais para um país de idosos.
O Brasil está envelhecendo rapidamente. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, em 2070, mais de um terço da população brasileira será composta por idosos, elevando a proporção de pessoas com 60 anos ou mais de 15,6% em 2023 para impressionantes 37,8%. Esse cenário, embora seja reflexo de avanços na saúde e na qualidade de vida, traz desafios significativos, especialmente no que diz respeito ao cuidado dessa parcela crescente da população. A demanda por cuidadores de idosos está aumentando exponencialmente, mas será que o país está preparado para atender a essa necessidade?
A realidade atual dos cuidadores de idosos
Atualmente, boa parte do cuidado com os idosos no Brasil recai sobre familiares, muitas vezes mulheres, que abandonam suas carreiras para dedicar-se integralmente a seus entes queridos. Segundo dados do IBGE, entre 2016 e 2019, o número de familiares cuidadores saltou de 3,7 milhões para 5,1 milhões. Essas pessoas trabalham na invisibilidade, sem remuneração, e frequentemente colocam em risco sua própria saúde física e mental.
No entanto, há também uma crescente demanda por cuidadores profissionais. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam que o número de cuidadores remunerados aumentou 15% entre 2019 e 2023, chegando a cerca de 840 mil profissionais. Apesar disso, esses trabalhadores ainda enfrentam desafios estruturais, como a falta de regulamentação da profissão e a ausência de treinamento adequado.
De acordo com Jorge Félix, autor do livro A Economia da Longevidade: O Envelhecimento Populacional Muito Além da Previdência, o perfil típico do cuidador no Brasil é de uma mulher negra, pobre, com poucos anos de estudo e que migrou da informalidade do trabalho doméstico para o cuidado de idosos. Embora esses profissionais possam ganhar até três salários mínimos (R$4.236), muitos não têm acesso a formação técnica ou especializada, o que coloca em risco tanto os cuidadores quanto os idosos assistidos.
Os riscos da falta de formação
A ausência de formação adequada pode gerar consequências graves. “Há um voluntarismo muito grande”, explica Félix. “‘Pode deixar, eu limpo a vidraça, subo na escada, comigo não tem tempo feio.’” No entanto, essa postura pode ser prejudicial. Ao levantar um idoso sem usar equipamentos adequados, por exemplo, o cuidador corre o risco de lesões graves, como problemas na coluna.
Além disso, o impacto emocional é outro fator preocupante. Sem preparo psicológico, muitos cuidadores enfrentam insegurança, medo e estresse ao lidar com situações complexas, como surtos comportamentais ou o luto após a morte do idoso. “É como se ele tivesse perdido a razão de viver”, afirma Félix, comparando o desgaste emocional desses profissionais ao de enfermeiros que, diferentemente, recebem treinamento para lidar com essas situações.
Políticas públicas necessárias
Para enfrentar esses desafios, especialistas defendem a implementação de políticas públicas voltadas ao cuidado de idosos. Um marco importante foi a recente sanção da Política Nacional de Cuidados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 23 de dezembro de 2023. Essa política configura um marco normativo que institui o cuidado como um direito na legislação brasileira, reconhecendo-o como uma necessidade essencial para o bem-estar da população.
A sanção da Política na semana do Natal é simbólica e demonstra o reconhecimento do cuidado como um trabalho essencial. O presidente Lula destacou que o Estado deve cuidar tanto das pessoas que precisam de cuidado quanto das que cuidam, ressaltando que esse investimento é fundamental para a qualidade de vida no Brasil.
Com a Política Nacional de Cuidados, o governo pretende melhorar a qualidade de vida das pessoas que, historicamente, são sobrecarregadas com as responsabilidades de cuidado, promovendo uma divisão mais igualitária dessas tarefas entre homens e mulheres, além de diferentes classes sociais.
A proposta coloca o cuidado como um direito do cidadão e abre caminho para a regulamentação da profissão de cuidador de idosos.
Segundo Félix, essa iniciativa é um avanço significativo, mas ainda depende de ações concretas. Ele cita a promessa do governo federal de criar um serviço de cuidadores domiciliares, semelhante ao modelo dos agentes comunitários de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). “Seria um serviço público que vai à sua casa, ajuda sua família a fazer a gestão dos medicamentos e verifica se a pessoa está bem cuidada”, explica.
Além disso, é fundamental investir na formação técnica e continuada desses profissionais. Organizações como a Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer e Outras Demências) já incluíram cursos técnicos de cuidadores no catálogo nacional do Ministério da Educação. No entanto, sem regulamentação e padronização, a demanda por esses cursos permanece baixa.
Pesquisas realizadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que a formação profissional melhora significativamente a empregabilidade e a qualidade do trabalho dos cuidadores. Além disso, cuidadores capacitados são mais aptos a prevenir acidentes domésticos e a proteger sua saúde física e emocional.
Um futuro sustentável para o cuidado
Para que o Brasil consiga atender à crescente demanda por cuidadores de idosos, é essencial que o Estado assuma um papel ativo na criação de políticas públicas que garantam o acesso universal ao cuidado. Isso inclui:
- Regulamentação da profissão: Definir requisitos mínimos de formação e garantir direitos trabalhistas aos cuidadores.
- Investimento em formação técnica: Criar programas acessíveis de capacitação e certificação.
- Inclusão no SUS: Oferecer serviços de cuidado domiciliar por meio do sistema público de saúde.
- Apoio às famílias: Implementar políticas que reduzam o ônus financeiro das famílias responsáveis pelo cuidado de idosos.
Sem essas medidas, o envelhecimento populacional pode levar a um aumento alarmante no número de idosos sem cuidado adequado, resultando em isolamento social e até mesmo tragédias humanas. A nova Política Nacional de Cuidados é um passo importante nessa direção, mas sua eficácia dependerá de sua implementação e do comprometimento do Estado em garantir que todos recebam o cuidado de que precisam.
Sobre o livro
Resumo do Livro “A Economia da Longevidade: O Envelhecimento Populacional Muito Além da Previdência” – Jorge Félix
No livro A Economia da Longevidade , o autor Jorge Félix aborda um dos maiores desafios contemporâneos: o envelhecimento populacional e suas implicações econômicas, sociais e culturais. Partindo de uma análise ampla e interdisciplinar, Félix discute como a longevidade humana transforma não apenas os sistemas de previdência, mas também as estruturas econômicas, os mercados de trabalho, as relações familiares e até mesmo o modo como as sociedades se organizam.
Principais Temas Abordados:
- O Contexto Demográfico Global
O autor destaca que o aumento da expectativa de vida é um dos maiores avanços da humanidade, fruto de melhorias na saúde, na tecnologia e nas condições de vida. No entanto, esse fenômeno traz consigo desafios significativos, especialmente em países com populações envelhecidas, como o Brasil. A transição demográfica – caracterizada pela queda das taxas de natalidade e pelo aumento da proporção de idosos – exige adaptações urgentes em políticas públicas e modelos econômicos. - Previdência e Sustentabilidade
Embora o sistema previdenciário seja frequentemente apontado como o principal ponto de preocupação no debate sobre o envelhecimento, Félix argumenta que o problema vai muito além disso. Ele critica a visão simplista de que reformas previdenciárias isoladas podem resolver os desafios gerados pela longevidade. Para ele, é necessário repensar o papel da economia, dos mercados e das instituições para criar soluções mais inclusivas e sustentáveis. - O Papel da Economia na Longevidade
Jorge Félix propõe uma nova perspectiva sobre a economia, chamada de “economia da longevidade”. Essa abordagem busca integrar o envelhecimento populacional ao planejamento econômico, reconhecendo que a população idosa não é apenas uma “carga” para os sistemas de bem-estar social, mas também uma fonte de oportunidades. Ele explora temas como o potencial de consumo da terceira idade, o desenvolvimento de novos mercados voltados para os idosos e a necessidade de investimentos em tecnologias e serviços que atendam às demandas dessa parcela crescente da população. - Trabalho e Produtividade
Um dos pontos centrais do livro é a discussão sobre o futuro do trabalho em uma sociedade envelhecida. Félix defende a ideia de que a idade não deve ser um fator limitante para a participação no mercado de trabalho. Ele sugere a adoção de políticas que promovam a reinserção de idosos no ambiente laboral, como flexibilização de horários, capacitação contínua e incentivos fiscais para empresas que contratem trabalhadores mais velhos. Além disso, enfatiza a importância de redefinir o conceito de aposentadoria, transformando-a em uma transição gradual para atividades menos intensas, mas ainda produtivas. - Saúde e Qualidade de Vida
O autor ressalta que o envelhecimento saudável é essencial para maximizar os benefícios da longevidade. Ele aborda questões relacionadas à promoção da saúde preventiva, ao acesso a cuidados médicos adequados e à criação de ambientes urbanos que favoreçam a mobilidade e a autonomia dos idosos. Félix também chama a atenção para a necessidade de combater estigmas e preconceitos associados à velhice, promovendo uma cultura de respeito e valorização da experiência acumulada pelos mais velhos. - Impactos Sociais e Culturais
Além das dimensões econômicas, o livro explora os impactos sociais e culturais do envelhecimento populacional. Félix discute como as mudanças nas estruturas familiares (como a redução do número de filhos e o aumento da longevidade) afetam as dinâmicas de convivência e apoio entre gerações. Ele também reflete sobre a necessidade de construir uma sociedade mais inclusiva, que reconheça os direitos e as contribuições dos idosos. - Propostas e Soluções
Ao final do livro, Jorge Félix apresenta uma série de propostas práticas para enfrentar os desafios do envelhecimento populacional. Entre elas, estão:- Reformulação das políticas públicas para incluir a perspectiva da longevidade.
- Investimento em educação financeira e planejamento para a velhice.
- Fomento à inovação em áreas como saúde, tecnologia assistiva e habitação adaptada.
- Promoção de uma cultura de envelhecimento ativo e saudável.
Conclusão
A Economia da Longevidade é uma obra visionária que convida os leitores a repensarem o envelhecimento como uma oportunidade, e não como um problema. Jorge Félix alerta que, para aproveitar os benefícios da longevidade, é necessário adotar uma abordagem holística, que integre políticas públicas, iniciativas privadas e mudanças culturais. O livro é uma leitura essencial para formuladores de políticas, economistas, empresários e qualquer pessoa interessada em compreender e moldar o futuro de uma sociedade que está vivendo mais – e precisa aprender a viver melhor.
O autor
Jorge Felix é jornalista e professor de empreendedorismo, economia e finanças para a gerontologia na USP. O livro foi baseado em sua tese de doutorado, mas pode ser lido sem dificuldade pelo público em geral. Ele é um renomado economista e especialista em temas relacionados ao envelhecimento populacional, longevidade e políticas públicas. Sua trajetória acadêmica e profissional está profundamente ligada à análise dos impactos econômicos, sociais e culturais do aumento da expectativa de vida e das mudanças demográficas globais. Ele se destaca por sua abordagem interdisciplinar e inovadora, que conecta economia, saúde, trabalho e questões geracionais.