“Você tem ligações comunistas?” EUA questionam agências da ONU em meio a cortes de ajuda humanitária

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Uma reportagem da BBC inglesa informa que os Estados Unidos estão querendo saber se as agências de ajuda das Nações Unidas têm ligações com países comunistas? Qual a lógica por trás desse questionário hipócrita quando os próprios EUA têm ligações comerciais com a Rússia e a China? Aliás, o presidente Trump e a família dele têm relações pessoais e comerciais com Vladimir Putin.

Os Estados Unidos enviaram um questionário de 36 perguntas a agências de ajuda humanitária da ONU, exigindo que declarem se possuem afiliações “antiamericanas” ou ligações com partidos comunistas, socialistas ou totalitários. O documento, visto pela BBC, foi distribuído pelo Escritório de Administração e Orçamento (OMB) dos EUA e gerou preocupação entre organizações que atuam em crises globais, como a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

A medida ocorre em um contexto de cortes drásticos na ajuda externa americana, liderados pelo governo Trump. Recentemente, os EUA se retiraram da Organização Mundial da Saúde (OMS) e encerraram a maioria dos programas da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Agora, há temores de que o questionário seja um prenúncio do abandono total do trabalho humanitário — ou até mesmo da própria ONU.

Enquanto investigam vínculos com países como China e Rússia, os EUA ignoram suas próprias relações comerciais e políticas com esses mesmos regimes. Críticos veem ação como hipocrisia e ameaça ao multilateralismo.

Hipocrisia ou estratégia política?

Enquanto questionam as agências da ONU sobre possíveis vínculos com China, Rússia, Cuba e Irã, os EUA mantêm relações comerciais e políticas com esses mesmos países. O presidente Donald Trump, por exemplo, tem laços pessoais com o líder russo Vladimir Putin. Para críticos, a ação reflete uma contradição flagrante. “É multilateralismo versus ‘América em primeiro lugar’ — esses são os dois extremos de um espectro”, afirma Karl Blanchet, professor do Centro de Estudos Humanitários da Universidade de Genebra.

Neutralidade em jogo

As agências da ONU argumentam que o questionário viola seus princípios fundamentais de neutralidade e imparcialidade. “Pessoas que sofrem por causa de guerras ou desastres naturais devem ser ajudadas independentemente de crenças políticas”, diz um porta-voz da ONU Direitos Humanos, que optou por não preencher o formulário. Outras organizações, como a Unicef e o Programa Mundial de Alimentos, também se veem em uma encruzilhada, já que projetos relacionados a diversidade, equidade, inclusão e mudanças climáticas são alvo de questionamentos.

Impacto global

Os EUA são o maior doador de ajuda humanitária do mundo, contribuindo com 40% do financiamento global. No entanto, gastam uma porcentagem menor do PIB em ajuda externa do que países europeus. Com os cortes em andamento, agências temem um colapso no apoio a milhões de pessoas em situações de vulnerabilidade. “É como se me perguntassem ‘você parou de bater no seu filho, sim ou não?'”, desabafa um agente humanitário frustrado.